O picheleiro e a mulher só – a história do costume (ou nem por isso)

Hoje de manhã tocaram-me à campainha, a que está do lado da porta. Era o picheleiro. Queria ver se a minha banca funcionava bem, porque parece que as dos dois vizinhos imediatamente acima estão em guerra. Tendo verificado a declaração de neutralidade da minha banca, quando está prestes a sair, diz-me: sou capaz de ter de voltar, menina. Respondi-lhe que ia naquele momento tomar banho, informação que me deixou atrapalhada. Não se preocupe, não devo precisar de voltar.


Estou a vestir-me, depois do banho tomado, e tocam-me de novo à campainha, ainda aquela que fica do lado da porta. Diz-me o picheleiro: esperei até deixar de ouvir o depósito de água. Isto significa, mais coisa menos coisa, que aquele desconhecido soube exactamente quanto tempo durou o meu banho. Durante esse tempo, pôde imaginar, ou especular com o seu colega, a que partes do corpo me dedicava e quanto tempo dedicava a cada uma. Depois, estimou o tempo que levaria a vestir-me, desde que deixou de ouvir o depósito de água até poder voltar a bater-me à porta, o que lhe valeu uma sucessão de imagens mentais ainda mais calculadas e precisas. Conclusão, de repente, um total desconhecido soube mais da minha privacidade que praticamente qualquer pessoa que conheço.