o-meu-muito-meu-Rivette

Fui a Serralves ver La Religieuse, de Jacques Rivette. Não sabia que não era legendado e eu de francês pesco pouco mais que nada. Ver um filme sem entender a narrativa principal, faz-nos estar atentos a todas as outras narrativas. E se ver cinema é uma experiência religiosa (como não sê-lo?), esta foi ainda mais: não porque a temática se prestava a isso (embora a coincidência me divirta), mas pela entrega (ou mesmo devoção) a algo que não compreendemos totalmente. Dediquei-me, por exemplo, à narrativa das mãos de Anna Karina. Obcecada por mãos como sou e absorvida por todos os pormenores da interpretação das personagens, da composição dos cenários e da movimentação das câmaras, fui observando como as mãos das freiras, regra geral, se escondiam nas mangas e como as de Suzanne (A. Karina) se evidenciavam muito mais. Fui registando como se fechavam, como se entrelaçavam numa reza, como a unha do polegar se cravava no dedo indicador enquanto o rosto atormentado se exprimia em dor e revolta. Fiquei especialmente contente com o facto de ter compreendido o diálogo entre Suzanne e a freira lésbica, acerca do efeito da presença dos homens sobre a primeira – mas o resto foi-me escapando com frequência. Quando não entendemos os diálogos e apenas nos podemos concentrar nas expressões faciais, no tom de voz – entre gritos, sussurros, súplicas e simpatias – pomos a nossa imaginação a funcionar muito mais do que o normal e, de resto, intuímos – intuímos muito. Espero um dia poder confrontar o produto da minha imaginação com a realidade do filme, mas até lá La Religieuse é aquilo que eu já chamo my own private Rivette.