.

A melancolia não é uma besta quadrada. É obtusa. Abre-se em farpas e vai escolhendo os lugares do corpo onde perfurar. Tenho melancolia nos dedos, vejo-a no amolecer do papel. Tenho melancolia na boca, que a comprime e horroriza. Da boca às mãos, um trajecto fúnebre – o caminho que os mortos fazem até chegar a mim.
(A minha melancolia alimenta-se dos meus mortos.)
Passou um comboio pelo meu fazendo-o sobressaltar-se e eu com ele. A máquina levou-me o coração junto – isso e alguns vermes – aumentando-me o rasgo no peito. A Dona Tê pensa que eu nasci sem coração, mas eu sinto que ela nasceu sem cérebro. Nasceu com uma cabeça de nada, o que já é muito.