sedução bestial

Traço uma diagonal que choca com o verde do casaco de um homem. Arrisco uma perpendicular e encontramo-nos, os nossos olhos todos dentro. O livro que prendo entre os dedos é um semáforo que o intriga. Os olhos da besta saltitam entre os meus e os meus pertences. Rendo-me a olhos saltimbancos, não existo senão para ser matéria de ensaio. Gostamos um do outro. Ele saliva pela minha eloquência, quer saber se resiste à filosofia da cama. Eu gosto dele porque ele gosta de mim. A vida é isto, uma balança de desequilíbrios precários. O apeadeiro chegou à porta e o homem sai. Não tenho tempo de lhe lançar a lenga-lenga dos estranhos em viagem e ele nem desconfia do meu absoluto desinteresse em admirar-lhe as costas. Sai um, entra outro. Velho, mirrado, sujo, balões vermelhos nos olhos, unhas preto-fashion. No banco ao lado, um origami. Rio-me. Um origami. Estas bestas. Entretanto, percebo o olhar de outro homem mais atrás, atento, persistente. Devolvo-lhe o olhar. A nossa capacidade de nos entretermos é imperturbável.